O fenômeno da religião é tema
constante de pesquisas acadêmicas em diversas áreas. O resultado é um
verdadeiro colosso bibliográfica, o qual demandaria uma vida inteira de leituras
para ser absorvido. Contudo, é importante, para todos os interessados na
temática, ter familiaridade com pelo menos parte desta vastidão bibliográfica. Ao
pensar nisso, resolvi indicar algumas leituras de grandes estudiosos da
religião, capazes de nos dar uma boa noção inicial dos problemas relacionados à
experiência religiosa. De modo algum esta lista é definitiva ou mesmo a melhor;
é simplesmente a minha lista, a qual
pode, e deve, ser completada com outras indicações.
Dividi a lista em dois grupos: os
livros que li, e dos quais posso fazer uma abordagem mais meticulosa, e os
livros que não li, mas os quais são importantes, sendo citados e usados pelos
autores do primeiro grupo.
LIVROS LIDOS:
Finkelstein,
Israel; Silberman, Neil Ascher. A Bíblia
não tinha razão (The Bible Unearthed:
Archaeology’s New Vision of Ancient Israel and the Origin of its Sacred Texts),
2003.
Este livro é um clássico da difusão
científica em arqueologia. À primeira vista – até pelo bombástico título em
português – poderia parecer ser uma obra de militância ateia. Nada mais longe da
verdade. Sua exposição é sóbria, tendo por objetivo a exposição das descobertas
arqueológica e históricas e seu confronto com o texto bíblico.
Os autores apresentam, de forma
clara e bem estruturada, as conquistas de um século e meio em pesquisas arqueológicas,
históricas e textuais sobre o antigo testamento, tanto as pesquisas que
buscavam chancelar o texto bíblico, quanto as mais recentes que o negam. Os
resultados mais recentes das pesquisas apontam para a construção textual dos
principais livros deuteronômicos durante os séculos VII-VI a.c, época do
reinado de Josias em Jacó, quando ocorreu um movimento
político-social-religioso de estabelecimento do monoteísmo e reinterpretação do
passado hebreu. Figuras centrais da histórica bíblica – Abraão, Isaac, José,
Moisés, etc. - e também acontecimentos chaves – a peregrinação dos patriarcas,
a ida dos hebreus para o Egito, o êxodo, etc. – são revelados como construções
deste movimento. Na verdade, o povo hebreu teria um passado bem menos glorioso,
repleto de acontecimentos prosaicos e de uma luta pela sobrevivência no centro
da disputa entre poderosos impérios do antigo oriente médio.
Aqui, é possível baixar sua
versão original em inglês:
E aqui, uma versão em espanhol:
A versão em
português está esgotada, mas pode ser comprada – a um preço caríssimo – na
estante virtual. Não há cópias na UFMG, mas há um exemplar na biblioteca Luiz
de Bessa, na praça da Liberdade.
Há também um
documentário no youtube, legendado em português.
Armstrong, Karen. A Grande Transformação: o mundo na época de
Buda, Confúcio e Jeremias (The Great Transformation: the world in the time of
Buddha, Socrates, Confucius and Jeremiah), 2006.
Entre os
séculos IX e IV a.c um profundo movimento de renovação social eclodiu na região
compreendida entre a Grécia e a China, movimento capaz de instaurar uma nova
mentalidade ética, religiosa e política, o qual levaria ao surgimento das
grandes tradições moral, filosófica e religiosa dominantes no mundo ocidental e
oriental posterior. Por que surgiram tais movimentos? Como viviam as pessoas no
período antes, durante e depois este movimento? Quais as interrelações entre
cada vertente do movimento? Quais as motivações sociais, doutrinárias,
políticas e econômicas?
Karen
Armstrong tenta responder a estas e outras questões em seu livro. Diferente de
“A bíblia não tinha razão”, a “Grande
Transformação” não é uma exposição e interpretação de descobertas
arqueológicas, embora tenha também este elemento. Para além dos aspectos
históricos e arqueológicos, situa-se a interpretação filosófico-cultural da
autora, sempre pensando as construções doutrinárias do movimento em sua
inserção social, sem, contudo, reduzir a doutrina à mera reprodução das
vinculações sociais. As ideias de universalidade humana, razão, moralidade,
ascetismo, Deus, unidade, entre outras, nos são apresentadas em sua complexa
gênese.
Aqui, uma
edição em espanhol:
Existe
exemplar na biblioteca da UFMG.
Delumeau,
Jean. O que sobrou do paraíso? (Que
reste-t-il du paradis?), 2000.
A noção do
paraíso sofreu diversas mudanças ao longo da história cristã. Herdada do
judaísmo tardio, e com elementos neoplatônicos, o paraíso foi identificado com
diversas regiões do mundo físico. Na modernidade, porém, com o fim da teologia
escolástica e a ascensão da cosmologia moderna, o estatuto de localidade perdeu sentido e o paraíso
passou a ser considerado como estando em um não-lugar.
Através da análise de textos filosóficos, teológicos, religiosos, e também de
pinturas, Delumeau nos reapresenta a saga do paraíso desde seu início até seu,
aparente, declínio no mundo moderno.
Há um exemplar
na biblioteca.
Delumeau,
Jean. A civilização do renascimento. (La
civilisation de la renaissance), 1964.
Obra
importante para a compreensão do contexto sócio-cultural-político no qual
eclodiu a reforma protestante. O autor dedica especial análise à reforma, do
mesmo modo que analisa a situação geral da cristandade à época.
O volume 1, em
português, pode ser baixado aqui:
Existem
exemplares na biblioteca.
McGrath,
Alister. A vida de João Calvino (A Life
of Jean Calvin), 2004.
Calvino é um
autor importante e pouquíssimo estudado. Vítima de muitas deturpações, é uma
personalidade central para a compreensão da modernidade e da contemporaneidade.
O movimento surgido de sua atuação estabeleceu os rumos das sociedades inglesas
e holandesas, chegando a ter atuação vital na fundação dos Estados Unidos. A
influência do calvinismo na filosofia é imensa, não sendo poucos os filósofos
diretamente filiados ou de origem calvinista.
Neste livro, é
possível encontrar uma exposição geral, bem feita e documentada, sobre a vida e
o pensamento do reformador francês.
Não há
exemplares na biblioteca, e tão pouco encontrei na internet para baixar.
McGrath, Alister. The intellectual
origins of european reformation, 2003.
O livro aborda
as origens do pensamento protestante no interior da filosofia medieval e da
antiguidade tardia. Trata-se de uma obra importantíssima para o rastreamento
genético das ideias reformistas.
Para baixar em
inglês:
Não há
exemplar na biblioteca.
Eire, Carlos. War against the idols: The reformation of worship from Erasmus to
Calvin, 1986.
Outro livro
importante para a compreensão do movimento protestante. O autor analisa a
condenação protestante ao culto dos santos e à devoção medieval. Oferece uma
profunda consideração sobre a devoção no começo da modernidade e sua condenação
inclusive no interior do catolicismo.
Em inglês
(arquivo djvu):
Também não há
exemplares na biblioteca.
Azevedo,
Israel Belo de. A celebração do
indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro, 1996.
Uma das poucas
obras que abordam o protestantismo brasileiro pelo viés social e doutrinário. Nela,
os batistas brasileiros são analisados na gênese de sua formação e em sua
inserção social. Um dos destaques do livro situa-se na análise sobre a
vinculação do protestantismo nacional com Israel, vinculação fundada em uma
opção teológica de valorização do antigo testamento.
Há um exemplar
na biblioteca.
Livros não
lidos:
Agora, listo
alguns livros que eu ainda não li, mas cuja importância é fundamental. Por não
ter lido, não farei uma exposição sobre o conteúdo, igual fiz acima, mas apenas
colocarei as referências e, quando for o caso, um link para baixar.
Armstrong, Karen. A history of God, 2003.
Finkelstein,
Israel; Silberman, Neil Ascher. The quest
for the historical Israel: debating archaeology and the history of early Israel,
2007. (este,
diferente de “A bíblia não tinha razão”, é um estudo acadêmico, voltado para um
público mais especializado)
Malina, Bruce J. The social world of Jesus and the gospels,
1996.
McGrath, Alister. Iustitia Dei: A history of Christian
doutrine of justification, 2005.
Thompson, Thomas L. Early
history of the israelite people: from the written & archaeological sources,
2008.
Voorst, Van Robert. Jesus outside the new testament: an
introduction to the ancient evidences, 2000.
Estes são
alguns livros que eu indico para leitura. Como já disse, não é uma lista
fechada ou definitiva, por isso, outras propostas serão bem recebidas.
David Emanuel
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